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Esclareça as suas dúvidas sobre a amamentação!

A enfermeira Sónia Barbosa da Rocha (responsável pelo projeto “Razão d’Ser”*), especialista em Saúde Materna e Obstetrícia e Conselheira em Aleitamento Materno OMS/UNICEF, disponibilizou-se para responder às principais dúvidas relacionadas com a amamentação.



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1| Qual a importância do aleitamento materno?

Sónia Barbosa da Rocha (SBR) |Nos últimos anos, apesar da ciência ter vindo a comprovar uma lista gigante das vantagens do aleitamento materno, a sociedade civil e mesmo os profissionais de saúde tendem a banalizar essa importância, e com facilidade se recomenda a alteração para um leite artificial ou suplementação. Facilmente se deduz que cada espécie produz o seu próprio leite destinado às suas crias, ou seja, com as características específicas que cada espécie necessita para o seu mais perfeito desenvolvimento. Por mais que a indústria de leite artificial estude e evolua, nunca conseguirá imitar o leite da espécie humana, e muito menos o leite materno de mãe para filho, pois esse é específico para aquele filho e não outro. Na impossibilidade de a mãe amamentar o seu próprio filho, seria mais lógico usarmos bancos de leite humano para suprir essa necessidade e não recorrer a um leite criado artificialmente com origem num leite de outra espécie (tal qual, temos bancos de sangue humano e não utilizamos sangue de outra espécie). Por outro lado, devemos questionar a crescente necessidade sentida pelos pais ou pelos profissionais de administrar um suplemento a um bebé que é amamentado.


Por mais que a indústria de leite artificial estude e evolua, nunca conseguirá imitar o leite da espécie humana (leite materno)


2| Quais as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)?

SBR |A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza a amamentação exclusiva até aos 6 meses de idade e complementar até aos 2 anos ou mais. No entanto, em Portugal, as taxas de prevalência de aleitamento materno apesar de terem melhorado nas últimas décadas, estão ainda longe do preconizado pela OMS. A maioria das mães deseja amamentar o seu bebé e efetivamente inicia esta prática (mais de 90% das mulheres em Portugal iniciam a amamentação), no entanto, apenas 30% ainda amamenta aos 6 meses. Para a OMS o abandono precoce da amamentação é um problema de saúde pública, pelo que nos últimos anos têm surgido várias campanhas de apoio ao aleitamento materno e pressão política no sentido de ocorrerem mudanças na legislação que favoreçam esta prática. No entanto, apesar de responsabilizarem muitas vezes o regresso ao trabalho como fator que influencia o desmame precoce, vários estudos internacionais e nacionais mostram que cerca de metade das crianças deixam de ser amamentadas no 1.º ou 2.º mês de vida (aos 3 meses a prevalência de aleitamento materno em Portugal é de 55%), pelo que podemos certamente concluir que o retorno da mulher ao trabalho não será o fator que mais condiciona a prevalência do aleitamento materno. Segundo a OMS / UNICEF, um dos mais importantes motivos para o desmame precoce é uma falta de informação sobre fisiologia da lactação e que a maioria das mães não sabe, efecivamente, que pode amamentar e produzir leite suficiente para alimentar o seu filho. Por outro lado, de acordo com Pereira (2006), os profissionais de saúde, infelizmente são, muitas vezes, a causa da introdução da suplementação com leite artificial, o que conduz rapidamente ao desmame precoce.


Para a OMS o abandono precoce da amamentação é um problema de saúde pública, pelo que nos últimos anos têm surgido várias campanhas de apoio ao aleitamento materno e pressão política no sentido de ocorrerem mudanças na legislação que favoreçam esta prática

3| Quais as vantagens do aleitamento materno (AM) para a mãe e para o bebé?

SBR | O aleitamento materno é o standard de ouro da alimentação infantil, ou seja, nada se pode comparar aos benefícios de uma criança ser amamentada ou alimentada com leite humano e não de fórmula. Sabe-se que o leite materno é considerado um “organismo vivo”, dada a sua capacidade de se moldar às necessidades de cada bebé, sejam elas ao longo do dia (o leite noturno é rico em melatonina que contribui para o sono do bebé), seja ao longo do desenvolvimento do bebé: evolui de colostro a leite maduro, correspondendo às necessidades do bebé de acordo com a sua idade, sendo que o leite maduro vai mudando a sua constituição também ao longo do desenvolvimento do bebé. A mãe produz um leite diferente se o bebé tem 1 ou 2 meses ou se tem 12 ou 24 meses, de acordo com a sua saúde, ou seja, a mãe enriquece o leite com imunoglobulinas se o bebé fica doente ou se é vacinado, de forma a aumentar a imunidade do bebé.


4| Quais as propriedades do leite materno e quais as vantagens que favorecem o aleitamento materno em primeiro lugar?

SBR | As vantagens para a mãe já estão bem identificadas pela evidência científica, sendo a mais relevante a prevenção do cancro da mama (por cada 12 meses de aumento de duração média do tempo de amamentação poderiam ser evitados 50 000 novos casos de cancro da mama por ano) e do ovário. Para além desta enorme vantagem, podemos ainda destacar a menor probabilidade de doença cardiovascular, de fraturas do colo do fémur por osteoporose, diabetes, artrite reumatoide e depressão pós-parto. No pós-parto imediato, a amamentação protege a mãe de hemorragia pós-parto, para além de beneficiar a vinculação e relação mãe-filho.

Para o bebé, todos os anos surgem novas evidências sobre as vantagens em ser amamentado. Numa revisão sistemática e meta-análise efetuada pela OMS em 2013, sobre efeitos da amamentação a curto prazo, concluíram que as crianças menores de 5 anos que foram ou são amamentadas têm menor risco de diarreia grave e pneumonia com hospitalização, assim como um menor risco de morte por estas causas na ordem dos 72/77% respetivamente. A longo prazo, a OMS concluiu que a amamentação previne a obesidade, a hipertensão e a diabetes tipo II e promove melhores resultados nos testes de inteligência em crianças e adolescentes. De acordo com Campos (2007), que cita vários estudos científicos, a amamentação reduz em 21% a mortalidade pós-neonatal e em 2,5 % a probabilidade de doença, contribuindo também para a prevenção das alergias, de síndrome de morte súbita, de doenças oncológicas e auto-imunes.

Para além das vantagens para mães, bebés e famílias podemos falar das vantagens para a sociedade, nomeadamente vantagens a nível da saúde pública, com o aumento da saúde das populações, da sua qualidade de vida e dos respetivos benefícios económico-financeiros que daí resultam, quando se aumenta a prevalência de aleitamento materno. Por outro lado, podemos, sem dúvida, referir o menor impacto ambiental dos bebés amamentados.


A OMS concluiu que a amamentação previne a obesidade, a hipertensão e a diabetes tipo II e promove melhores resultados nos testes de inteligência em crianças e adolescentes

5| Em que casos não é possível de todo optar pelo AM?

SBR | São muito poucas as contraindicações definitivas ao aleitamento materno, mas podemos indicar com base na literatura disponível algumas razões:

1. Recusa materna;

2. Morte materna;

3. Doença materna grave e debilitante que impeça a mãe de amamentar (no entanto existem casos documentados de mães com doença oncológica terminal e que mantiveram ainda a amamentação pelo período de tempo que lhes foi possível);

4. HIV positivo: apesar de contraindicado em Portugal e na maioria dos países desenvolvidos, de acordo com a OMS é seguro amamentar sendo HIV positivo, desde que a carga viral esteja controlada com antirretrovirais;

5. Herpes simples com lesões na mama;

6. Medicação imprescindível para a saúde materna, com indicação para toma de forma prolongada ou crónica, e considerada incompatível com a amamentação (é importante confirmar, pois a grande maioria da medicação é considerada compatível ou existe um similar compatível);

7. Doenças metabólicas raras no bebé como a galactosemia ou fenilcetonúria.


No caso de contraindicações temporárias (ex: medicação incompatível com a amamentação mas com toma de curta duração, doenças infecciosas, como varicela ou outras), a mãe pode interromper a amamentação pelo tempo indicado, mantendo a extração de leite para manter a produção e retomar assim que a contraindicação terminar.


Mitos e verdades sobre o leite materno


6| Existem alguns mitos associados ao leite materno, nomeadamente a questão relacionada com a qualidade do leite, que não sacia o bebé. Este mito tem fundamento?

SBR | Sem dúvida o maior mito da amamentação nos seres humanos é considerar que existem leites fracos, sem qualidade ou produção insuficiente. Os mamíferos como classe de animais, caracterizam-se pela presença de glândulas mamárias nas fêmeas, que produzem leite para alimentação dos filhotes (ou crias). Assim, a mulher como fêmea da espécie humana, está fisiologicamente preparada para amamentar os seus filhotes, sem que os mesmos precisem de qualquer outro alimento até pelo menos 6 meses de vida, mesmo no caso de gémeos, pois a mulher possui duas glândulas mamárias.

A mulher, em termos fisiológicos em nada difere das suas congéneres na natureza, tal como a macaca, a leoa ou a gatinha…todas elas produzem leite suficiente para o número de crias; o problema apenas se poderá colocar quando por um mero acaso da natureza têm um número de crias superior ao número de glândulas mamárias, por exemplo no caso de trigémeos nos humanos; mas, mesmo nestes casos, há casos de sucesso a nível internacional, porque na verdade a mama funciona pela estimulação direta, ou seja, desde que os bebés mamem a produção faz-se. Infelizmente, embora constatemos que na Mãe Natureza tudo funciona corretamente, ou seja, as fêmeas alimentam os seus filhos até que eles tenham capacidade para digerir outros alimentos, o mesmo não acontece com o Ser Humano.


7| A ideia de que existe leite materno sem qualidade não passa de uma ideia errada que é transmitida por gerações anteriores?

SBR | Fisiologicamente, a mulher está preparada para amamentar e o bebé está preparado para mamar, pelo que não existem leites fracos nem produção inferior às necessidades do bebé, desde que o bebé seja amamentado em horário livre – sempre que quiser, durante quanto tempo quiser. Claro que podem surgir dificuldades físicas e emocionais inerentes à mãe, ao bebé e/ou meio ambiente, que dificultem o aleitamento, tais como na execução da técnica de aleitamento materno (e consequentemente má pega), bebé doente ou sonolento (por exemplo por efeitos de medicamentos analgésicos administrados à mãe durante o trabalho de parto), alterações orofaciais do bebé que dificultem a pega correta, ou outras, cabe aos profissionais de saúde ajudar e apoiar, reforçando que não está em causa a qualidade do leite. Ou seja, apenas são necessários alguns ajustes e persistência, diagnosticando ao mesmo tempo situações que possam estar a interferir no sucesso do aleitamento materno (má pega, freio da língua ou labial, comportamento do bebé, estado emocional materno, etc). No entanto, em Portugal profissionais de saúde exercem por vezes um efeito negativo porque continuam a usar práticas pouco recomendadas sem evidência científica que as suporte, como por exemplo a amamentação “com regras” bem definidas: é comum, no meu dia a dia, como Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Conselheira, ouvir relatos de mães que, durante o internamento (pós-parto), não podiam amamentar em intervalos inferiores a 2/3 horas ou que o bebé tinha que mamar 20/30 minutos, ou profissionais terem insistido com suplementos de leite artificial sem identificar realmente a causa do possível insucesso da amamentação.


Fisiologicamente, a mulher está preparada para amamentar e o bebé está preparado para mamar, pelo que não existem leites fracos nem produção inferior às necessidades do bebé, desde que o bebé seja amamentado em horário livre

8| Deve, por isso, promover-se o horário livre ou “livre demanda” da amamentação?

SBR | Na verdade, na natureza não há relógios! Simplesmente os bebés estão com as suas mães no ninho e intercalam períodos de sono com períodos de amamentação (são os bebés que decidem com que frequência querem mamar). O bebé humano, pode mamar apenas 6 a 8 vezes por dia (as famosas refeições de 3/3h) ou querer mamar 12 ou mais vezes em 24 horas, o que dá em média, intervalos de 2 horas ou menos. Mas mesmo um bebé que mame apenas 6 ou 8 vezes não vai mamar de 3/3h ou 4/4h religiosamente! O que é normal é que se o bebé faz alguns intervalos de 4 ou 5 horas, é provável que outros sejam inferiores a 2 horas ou até 1h, e isto é normal e saudável.


9| E qual a duração “ideal” de cada mamada?

SBR | No que diz respeito à duração da mamada, o bebé tanto pode mamar 3 ou 4 minutos como mamar 1 hora ou mais, todas as mamadas vão diferir entre elas, tal qual nós adultos fazemos várias refeições diferentes e com diferentes intervalos ao longo do dia. Também, utilizando a mesma comparação, todos nós temos dias em que temos mais fome e efetivamente ingerimos maior quantidade de alimentos, e outros em que temos menos apetite; assim, é normal que o bebé tenha dias em que vai querer mamar quase de hora em hora e no dia seguinte provavelmente está 4 horas ou mais sem mamar. As suas necessidades vão refletir o seu ritmo de crescimento, e portanto, estes dias de “fome” durante o primeiro mês de vida serão mais frequentes (é normal ocorrerem por volta dos 2/3 dias, 8 dias, 15 dias e 1 mês) e depois será provável que ocorram mensalmente até aos 6 meses e aos 9 e 12 meses se voltem a repetir. Estas etapas são nada mais, nada menos, as alturas em que normalmente a mãe decide “experimentar” um leite artificial porque acha que o seu bebé tem fome. O que a mãe sente, não deixa efetivamente de ser verdade, nesses dias o bebé parece “esfomeado”, no entanto, a solução, caso a mãe pretenda continuar a amamentar não é introduzir um leite artificial, mas sim alimentar o bebé quantas vezes for necessário e rapidamente tudo voltará seu ritmo normal.

As glândulas mamárias, estão preparadas para produzir leite por ação hormonal desencadeada pela estimulação quando o bebé suga, por isso, a mama produzirá tanto mais leite quanto mais o bebé sugar. A mama não é um reservatório, tipo biberão, que se enche e esvazia, é uma glândula em constante produção (uma fábrica) enquanto o bebé mama. Portanto, não existe justificação fisiológica para que a mãe deixe de ter leite, o mais comum é que: primeiro a mãe decide ou é induzida a introduzir um leite artificial, e assim cada dia que passa vai oferecendo menos vezes e menos tempo a mama ao bebé, até que normalmente, 2 a 3 semanas após a introdução do novo leite a mãe deixa definitivamente de amamentar, referindo posteriormente que o motivo pelo qual deixou de amamentar foi a não produção do leite.


10| Observam-se, ainda, algumas dificuldades que obstam o aleitamento materno?

SBR | As dificuldades e dúvidas existem e são muitas, contudo, o peso cultural também não ajuda. Assim, toda a mulher que pretenda amamentar o seu bebé deve procurar toda a informação necessária sobre a amamentação durante a gravidez, por exemplo em cursos de preparação para o nascimento (preferencialmente com formadores que sejam Conselheiros em Aleitamento Materno pela OMS/UNICEF) e após o nascimento, caso surjam dúvidas ou dificuldades procurar aconselhamento profissional com um Conselheiro em Aleitamento Materno antes de tomar a decisão de introduzir um leite artificial.


11| A partir de que momento é que a mulher poderá recorrer ao leite materno, ou seja, é imediatamente após o parto: passado quanto tempo?

SBR | A primeira mamada do recém-nascido é a mais importante de todas! Pereira (2006) concluiu na sua tese de doutoramento que os bebés que mamam com pega correta na primeira mamada são bebés que mamam de forma mais eficaz, nos quais a amamentação é mais prolongada, sendo que também essas mães sentem de forma significativa menos dificuldades quando comparado com bebés que fizeram uma má pega ou a quem administrado leite artificial, principalmente quando para administrar o leite artificial é usado um biberão. Pereira (2006) identifica ainda que o uso precoce de bicos artificiais como chupetas, biberões ou mamilos artificiais pode comprometer de forma significativa e por vezes de forma definitiva o sucesso da amamentação.

Não existe justificação científica para que o bebé que nasce bem, seja de parto vaginal seja de cesariana, não fique de imediato em contacto pele com pele com a sua mãe e mame tão precocemente quanto possível, de preferência na primeira hora de vida. O que existem são procedimentos e regras institucionais que têm limitado o contacto precoce e pele com pele (durante pelo menos 1 hora) entre mães e bebés apesar de ser uma recomendação da Direção-Geral de Saúde há já alguns anos. Nos partos vaginais, algumas instituições têm vindo a implementar a prática do contacto pele com pele, mas ainda não é uma prática generalizado. No caso das cesarianas, o habitual nas instituições portuguesas é a mãe ficar no bloco operatório e o bebé ir para junto do pai, ficando separado da mãe por cerca de 2 horas, e isto pode comprometer de forma significativa a primeira mamada e o sucesso da amamentação (a muitos destes bebés é oferecido um biberão de leite). As mães que pretendem amamentar devem solicitar o contacto precoce e pele com pele com o bebé de duração igual ou superior a 1 hora, de preferência oferecendo a mama ao bebé nesse período. Às mães a quem isto é negado, por regras institucionais ou por complicações que obriguem à separação temporária entre mãe e bebé (podem ser minutos, horas ou dias), recomendo que assim que tenham o primeiro contacto com bebé efetuem contacto pele com pele e de preferência oferecer a mama nesse período.


O uso precoce de bicos artificiais como chupetas, biberões ou mamilos artificiais pode comprometer de forma significativa e por vezes de forma definitiva o sucesso da amamentação

12| O que é o colostro e qual a função do mesmo?

SBR | Para além da questão dos benefícios da primeira mamada para o sucesso da amamentação, temos a questão da importância do colostro. Mesmo que uma mãe não pretenda amamentar, deve ser informada dos benefícios do bebé mamar pelo menos o colostro (algumas mães depois de informadas, por vezes optam por oferecer essa oportunidade ao bebé). O colostro está presente nas mamas da mulher pelo menos a partir das 20 semanas de gestação (portanto não há a possibilidade de não haver colostro quando o bebé nasce) e além de ser rico em açúcares (para que o recém-nascido que ainda não é muito eficaz a mamar possa, com mamadas curtas, manter os seus níveis de açúcar) é rico em imunoglobulinas que são uma autêntica vacina viva, ou seja contribuem para o desenvolvimento saudável do sistema imunológico do recém-nascido ainda tão imaturo. A mãe produz estas imunoglobulinas em função das bactérias e virús com que contacta (através do contacto com o que come, com as superfícies, com outras pessoas ou animais e mesmo com o próprio recém-nascido e a sua saliva quando este mama) passando-as depois através do colostro e futuramente no leite maduro para o bebé. Mesmo se o bebé começar a desenvolver uma infeção o colostro/leite materno é, sem dúvida, o melhor adjuvante possível de qualquer antibiótico (caso necessário) no tratamento da infeção.


13| O que pode a mulher fazer e o que deve evitar durante o período em que amamenta?

SBR | A mulher que amamenta deve acima de tudo assumir que deve ter uma vida normal. Incutir a ideia que a mulher que amamenta tem que ter 1001 um cuidados com o que come ou o que faz, é errado e induz muitas mulheres a ficarem exaustas, o que contribui para um desmame precoce. Todas as mulheres quando são mães vão passar por tempos desafiantes e com uma enorme privação de sono quer amamentem quer não, no entanto, existe uma diferença: a mulher que não amamenta pode ser substituída na alimentação do bebé e acreditar que por esse motivo vai poder descansar, no entanto, mãe é mãe, e mesmo que alguém alimente o bebé, a mulher pouco descansa pois mantém o seu estado de alerta por ser mãe; a mulher que amamenta, de facto, não pode ser substituída e portanto sem dúvida terá privação de sono (estado de alerta por ser mãe e por ter de amamentar), no entanto, apesar disso, em média vive menos exausta que a mãe que não amamenta, pois a prolactina que produz por amamentar tem a função de proteger o cérebro e de fazer com que os poucos momentos em que dormita sirvam para recuperar energia.


14| Pela responsabilidade da amamentação, a mulher deve tentar ajustar o período de descanso ao do seu bebé?

SBR | Não apenas pela amamentação, mas pelo facto de ter cuidar de um bebé 24/24h, o mais importante é a mãe valorizar os períodos de descanso e aproveitar todas as oportunidades para o fazer. A mãe que amamenta se não descansar um mínimo aceitável (que é diferente de mulher para mulher) poderá comprometer seriamente a amamentação. O distress causado pela privação de sono poderá perturbar a produção de leite, o bebé irá solicitar mais a mama, que leva a mais privação de sono e a sentimentos de que não produz leite suficiente, logo mais dia menos dia a mulher não resiste a experimentar o leite artificial que leva ao desmame precoce e não vai resolver o extremo cansaço, pois a mãe necessita manter o seu estado de alerta e ainda por cima não terá prolactina para a proteger dos efeitos nefastos da privação de sono.

Todas as mães e todos os bebés beneficiarão, mas a mulher que pretende amamentar com sucesso, nos primeiros dias/primeiro mês pós-parto ou enquanto a mãe e/ou bebé sentirem necessidade, deve fazer o que eu chamo de “ninho” com o bebé, devendo as suas funções ser apenas, cuidar de si, do bebé (amamentando-o) e descansar (de preferência o mais pertinho do bebé possível). Depois de mãe e bebé estarem bem adaptados um ao outro, depois da amamentação ser comprovadamente um sucesso, então aos poucos, inserir na sua vida o que eram as rotinas/afazeres habituais, continuando a priorizar sempre que possível o contacto próximo com o bebé e a amamentação. É um processo de alguns dias para algumas mulheres, para outras pode ser de meses ou anos, pelo que o importante é a mulher respeitar o mais possível as suas necessidades e as do seu bebé sem efetuar comparações com outras mulheres, devendo cada mulher ter apoio familiar nas outras funções que lhe eram atribuídas para que isto seja possível. Amamentar não é difícil, o que é difícil é amamentar quando temos tantas coisas às quais dar resposta, ou sentimos que temos de dar resposta e não conseguimos (sejam tarefas domésticas, profissionais ou outras).


15| Há comidas que devem ser dispensadas ou a ingestão de fármacos que prejudicam a qualidade do leite materno?

SBR | Relativamente à medicação, sempre que a mulher necessite ser medicada deve informar o profissional de saúde que se encontra a amamentar, sempre que o profissional de saúde, que está a medicar, informar que a mulher deve parar de amamentar porque a medicação é incompatível, a mulher pode confirmar no elactancia (http://www.e-lactancia.org) se realmente é ou não compatível (muitas vezes por desconhecimento e segurança informam que a medicação é incompatível, mas nem sempre corresponde à verdade).

A mulher que amamenta, preferencialmente, não deve fumar; se tal não é possível, deve evitar o máximo que conseguir (se possível, fumar no máximo 5 a 6 cigarros/dia, de preferência depois de amamentar e não imediatamente antes), também não deve consumir drogas ou álcool.

Quanto aos alimentos não há nenhuma restrição, nem quanto a alimentos potencialmente alergénios, nem quanto a alimentos flatulentos. O único aconselhamento nesta matéria é, preferencialmente, a mulher alimentar-se de forma saudável e equilibrada, evitando ou diminuindo a ingestão de alimentos de pouco valor nutritivo e altamente processados (isto contribuiu para a saúde da própria mulher e consequentemente para a saúde do bebé) e para além disso manter-se hidratada com adequada ingestão hídrica.


16| Algumas mães queixam-se que o bebé não conhece o mecanismo de sucção e que não "agarra" a mama após o nascimento. É um mecanismo imediato ou alguns bebés precisam de mais tempo para aprenderem?

SBR | O bebé nunca mamou numa mama! Dentro do útero ele vai treinando nas mãos e nos pés, mas de facto uma mama tem características bem diferentes, daí é aceitável que o bebé possa apresentar algumas dificuldades iniciais. Apesar dessa possibilidade a grande maioria dos bebés não terá dificuldade alguma independentemente do formato da mama e/ou mamilo. É fisiológico e um imperativo biológico que o bebé saiba mamar e o faça eficazmente, pois num mundo sem alternativas que possam comprometer de forma significativa a saúde do bebé, seria potencialmente fatal para o bebé que não conseguisse ter sucesso. Apesar disto, na prática, infelizmente nos últimos anos presenciamos mais dificuldades que sucesso, relacionadas, acima de tudo, com introdução precoce de bicos artificiais (como biberões, chupetas, mamilos de silicone) e afastamento entre mãe e bebé nas primeiras horas pós-parto.


17| O tipo de parto influencia esta aprendizagem?

SBR | Relativamente aos efeitos do tipo de parto e da analgesia de parto no sucesso da amamentação, há alguma controvérsia, alguns estudos apontam uma associação outros concluem não haver diferenças. Na minha prática clínica, encontro mais dificuldades nos bebés nascidos de cesariana (principalmente se planeada) do que em partos vaginais, sendo que nos partos fisiológicos (sem analgesia, sem fármacos) raramente surgem dificuldades. Mais do que o tipo de parto ou se foi ou não usada analgesia, o que resultou da experiência de parto, se esta foi positiva ou negativa para a mãe e bebé, acredito, sem dúvida, que influencia a experiência e sucesso da amamentação.


18| A que se deve o sucesso ou insucesso da pega inicial?

SBR | O sucesso ou insucesso inicial da primeira pega pode, portanto, relacionar-se com variadíssimos fatores, tais como: as competências maternas (conhecimento prévio, se já amamentou ou não, se sim como foi a experiência, que experiências em amamentação de familiares e amigos rodeiam aquela mulher, etc), as competências do recém-nascido (estrutura orofacial – exemplo freio da língua ou labial, tónus muscular, etc), o tipo de experiência física e emocional do nascimento que pode influenciar as competências maternas (por exemplo, se do nascimento resulta dor física que limita a mobilidade materna para se posicionar para amamentar) e/ou as competências neonatais (por exemplo, se a mãe fez medicação analgésica opioide que possa estar na circulação do recém-nascido e limite o seu tónus muscular e capacidade de sucção). Enquanto o bebé não consegue ser eficaz na amamentação, o mais importante é não usar qualquer tipo de bico artificial, se necessário administrar leite (materno ou artificial) o mesmo deve ser dado por copo.


Cuidados na amamentação


19| Quais os cuidados que se deve ter após cada mamada para evitar desconforto com a mama (e mamilos?

SBR | Na maioria das vezes, amamentar deveria ser algo natural e, como tal, não deveria ser necessário absolutamente nada. No entanto, se eventualmente a mulher quer fazer algo desde o início, de forma preventiva, então poderá besuntar o mamilo com leite materno e deixar secar ao ar antes de tapar a mama. No caso de haver sensibilidade mamilar ou fissura, recomenda-se o mesmo tratamento.


20| É necessário recorrer a uma bomba de leite?

SBR | Por regra não. Na fase do ingurgitamento mamário, a primeira opção é gerir com o bebé; como segunda opção (caso o bebé não seja suficiente para drenar o leite em excesso) a mulher poderá com massagem e expressão manual retirar o excesso de leite e apenas se não conseguir usar uma bomba extratora manual (preferencial) ou elétrica. O uso de bomba, principalmente elétrica e de forma excessiva, na fase do ingurgitamento mamário, poderá complicar o ingurgitamento. Mesmo quando a mulher pretende extrair leite para conservar ou para deixar para alguém administrar ao bebé na sua ausência, poderá utilizar a expressão manual, mas neste caso se assim o desejar pode usar uma bomba extratora. Quando a mulher tem necessidade pessoal ou profissional de ter grandes períodos afastada do bebé e pretende manter a amamentação, poderá fazer sentido a bomba extratora para facilitar a extração.


21| Pode doar-se o leite a um banco de leite, em caso de excesso? É uma prática comum em Portugal? Como é que se pode doar o leite?

SBR | Pode. No entanto, não é uma prática comum, pois o único banco de leite humano que existe em Portugal é, em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa. Se alguma mãe pretender doar deverá contactar o banco de leite para se informar dos procedimentos.


22| É importante fazer uma massagem após cada mamada nos casos em que a mulher tem muito leite para evitar a ocorrência de infeções e dor provocada por aquilo que vulgarmente se designa por "encaroçar"?

SBR | Não é necessário, exceto caso a mama esteja ingurgitada, para ajudar a drenar o leite.


23| O leite deve ser retirado com a "bomba" em caso de excesso?

SBR | A bomba deve ser evitada, mas se necessário para conforto da mulher pode ser. A mama funciona por estimulação, logo se a mulher amamentar e depois usar bomba, vai continuar a produzir cada vez com mais excesso. Portanto, primeira regra – evitar o uso, segunda regra – se usar, usar com moderação.


24| Nas crianças que frequentam os berçários, pode congelar-se o leite materno ou colocar no frigorífico? Como continuar a amamentar sem estar presente (nestes casos)? Ou seja, pode enviar-se o leite em biberões devidamente acondicionados sem que o leite perca as suas propriedades benéficas?

SBR | Sim, a mulher pode extrair leite, conservá-lo no frigorifico durante 24 horas para o dia seguinte ou congelar o leite e utilizá-lo conforme a necessidade. No congelador (se independente do frigorifico, pode ficar pelo menos durante 6 meses. Se congelado, o leite deverá ser descongelado dentro do frigorifico ou à temperatura ambiente e poderá ser aquecido levemente em banho maria (evitar o microondas).

A mulher pode extrair leite, conservá-lo no frigorifico durante 24 horas para o dia seguinte ou congelar o leite e utilizá-lo conforme a necessidade



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